Governo Eletrônico e a Nova Gestão Pública Paulista

A partir dos anos 70 o Estado contemporâneo começa a enfrentar um forte período de pressões, para atender novas demandas, não superado até os dias de hoje. Desde então, o reconhecimento da crise do setor público e da necessidade de se reinventar o ato de governar, tem estado presente na agenda de todos os organismos nacionais e estrangeiros que pensam o governo.

Essa lembrança inicial é fundamental para que se entenda o surgimento do governo eletrônico (e-Gov) como um conjunto de ações modernizadoras vinculadas ao setor público que passam a ganhar grande visibilidade a partir de 1997. Sem isso em mente, corre-se o risco de se considerar o e-Gov como mero exercício de automação das atividades públicas, desprovido de contexto, sobrevalorizando o papel das tecnologias da informação e comunicação (TIC) e também amesquinhando sua inserção na nova gestão pública.

Fatores que modificam o papel do Estado

As mudanças que atingem a atual gestão pública começam a se desenhar a partir de meados dos anos 70, período em que ganham força alguns fenômenos que afetarão sobremaneira a vida dos Estados nacionais, com destaque para a escassez de recuros, o avanço das democracias e a globalização das economias.

Novos desafios do setor público

Mudanças rápidas e profundas, como as relatadas, afetam de forma drástica e desigual a vida dos Estados nacionais. Suprir demandas crescentes com recursos mais escassos em um ambiente de mudanças aceleradas exige do setor público posicionamentos claros sobre questões estratégicas, tais como: operação x gerenciamento; formulação de parcerias; privatização; terceirização; contratualização; novas competências do servidor; só para citar alguns pontos dessa nova agenda.

Nesse contexto, os países precisam, mais do que nunca, elaborar projetos de nação que definam com clareza sua inserção nessa economia globalizada, missão que requer um competente esforço de profissionalização e qualificação que permita ao servidor identificar e negociar com atores importantes, detentores de agendas muitas vezes conflitantes.

O governo eletrônico e a nova gestão pública

É nesse cenário pleno de desafios que surge, no final do século XX, o e-Gov, conjunto de procedimentos modernizadores vinculados ao setor público. Para se escapar da armadilha reducionista de circunscrever esse fenômeno ao seu componente tecnológico, deve-se entender essa manifestação de forma mais ampla, o que implica conhecer, além do ambiente tecnológico que o viabiliza, os valores e princípios a ele associados e os novos paradigmas que ele incorpora.

A abordagem integrada que está no cerne do e-Gov permite enxergar a máquina pública como um conjunto de recursos aptos a serem utilizados de forma matricial, superando hierarquias formais, impeditivas ou retardadoras da solução de problemas.

O governo em rede otimiza o uso de recursos materiais, redesenha processos, acelera a circulação do conhecimento governamental e põe em contato seus talentos humanos com suas respectivas competências.

Governo Eletrônico no Estado de São Paulo

É na gestão iniciada em 1995, eleita com um programa político voltado para sanear o Estado, que a informatização é vista como a forma de estancar os descontroles. Desta forma, começam a surgir os programas de e-Gov, que aos poucos vão moldando toda uma conjuntura integrada de ações focadas para o uso das TIC no Estado como forma de modernização da gestão. A Prodesp é revitalizada e a Secretaria de Governo, atual Casa Civil, a usa em todos os seus projetos para reorganizar o Estado através de uma ainda jovem política de e-Gov.

Período Mario Covas – Geraldo Alckmin (1995-1998)

Podemos dizer que esse mandato tinha como orientação central, no campo econômico-financeiro, promover a recuperação da combalida máquina pública e, no prisma político, aproximar o Estado da cidadania. Os dois passos institucionais marcantes, no plano interno, para concretizar essa meta foram:

Primeiro, a implantação do Sistema Estratégico de Informações (SEI), que viabiliza inicialmente uma Rede Executiva de comunicação do Governador com seus Secretários e implanta vários aplicativos importantes de gestão como, em 1996, o Cadastro de Serviços Terceirizados, que reorganiza a capacidade do Estado de gerenciar os preços dos contratos de terceirizados. A Rede Executiva iniciada com cerca de 100 micros, hoje está verticalizada para todos os Órgãos Estaduais integrando mais de 23 mil usuários, gerando diariamente mais de 55 mil mensagens eletrônicas e avançando para o uso da assinatura digital, facilitada pela Imprensa Oficial que se tornou em abril de 2004 a Autoridade Certificadora oficial do Estado de São Paulo.

Segundo, a implantação do sistema de Administração Financeira para Estados e Municípios (Siafem), que introduziu na máquina administrativa paulista uma cultura, até então inédita, de utilização de meios eletrônicos para realização e integração de lançamentos financeiros, anteriormente feitos em papel e de forma até dispersa. 

A modernização imposta pelo e-Gov na Secretaria da Fazenda no período 1995-1998 foi tão profunda, com destaque para a implantação do Posto Fiscal Eletrônico em 1998 (Portaria CAT-92/98), que influenciou até na modernização dos prestadores de serviços, como despachantes e contadores, para se habilitar no relacionamento com a Fazenda através de meios eletrônicos, mostrando assim que o setor público pode, e deve, influenciar na modernização da sociedade.

No plano das relações com a sociedade, o grande marco dessa gestão foi a criação do Poupatempo, que integra num mesmo local físico inúmeros tipos de serviços públicos e consagra um novo padrão de qualidade de atendimento ao cidadão.

Hoje o Poupatempo tem 10 postos fixos implantados e 1 posto móvel (outros em estruturação), visando fornecer documentos de cidadania de modo itinerante.

É importante destacar que mudanças de processos tradicionais para processos de e-Gov tendem a gerar incríveis economias nos custos dos processos, como pode ser visto na avaliação comparativa da modernização do processo do IPVA, ou de uma licitação pela Bolsa Eletrônica de Compras. No caso do Poupatempo ele traz pequeno aumento de custo do processo ao Estado, porém a modernização traz grande economia de custo de processo à sociedade, de modo que no sistema Estado mais sociedade há também uma importante economia de custo trazida pelo e-Gov.

Período Mario Covas – Geraldo Alckmin (1999-2002)


Podemos dizer que nesse mandato de continuação, já com as finanças devidamente equacionadas, as TIC continuaram avançando na modernização administrativa, inclusive fomentando uma transparência com prestação de contas.

No plano interno foi criado o programa Intragov – infra-estrutura unificada com racionalidade para uso das telecomunicações, que permite ao Estado exercer o seu poder de compra ao consolidar os contratos de comunicação numa mesma gerência e facilitar às Secretarias e Órgãos, inclusive aos outros poderes estaduais, o benefício de uma rede IP de multiserviços para trafego de dados, voz e imagem.

A infra-estrutura de comunicação através da Intragov e a disponibilidade de um ambiente de Data Center, como o da Prodesp, são elementos fundamentais na política de e-Gov do Estado.

É importante destacar que o Estado entendeu que as transformações tecnológicas são muito rápidas e não caberia a ele investir na construção de uma rede própria, mas sim em administrar um contrato único, com diferentes tipos de serviços, colocando-o em licitação junto aos fornecedores de infra-estrutura de comunicação.

Nas relações com a sociedade, pela primeira vez em um programa de governo é mencionada explicitamente a idéia de e-Gov. “A informação por meios eletrônicos leva o governo a adotar um novo estilo de gestão: o governo eletrônico. Trata-se de um compromisso com a utilização das TIC em benefício da sociedade e que possibilitará a melhoria contínua das ações do Estado”. No plano das relações com a sociedade dois grandes projetos foram feitos:


Primeiro, quando se fala em e-Gov é sensível a preocupação com políticas voltadas para combater a divisão digital. Estima-se que somente 20% dos cidadãos do Estado de São Paulo tenham acesso à Internet. Muitos deles não foram formados na era da Internet, mas muitos carecem de meios para fazer o acesso. A partir do ano 2000 foi instituído o Programa Acessa São Paulo, responsável pela facilitação ao cidadão do uso da Internet. Implantando Infocentros, inicialmente na capital e RMSP, e depois no resto do Estado, torna-se um dos maiores programas de inclusão digital do país.

Segundo, a criação em 2000 da Bolsa Eletrônica de Compras (BEC) e em 2002 o início do Sistema de Pregões Presenciais são marcos de enormes economias ao Estado a ponto do Governador tornar o uso do Pregão um instrumento obrigatório nas aquisições públicas de bens e serviços e em junho de 2005 decretar prazos para implantação do uso do Pregão Eletrônico na Administração Direta.

Cabe aqui destacar que a transparência do Estado, na aquisição de bens e serviços, iniciada em 1995 através de um Sistema de Boletim Eletrônico (BBS), Midia Eletrônica - Negócios Públicos, que fornecia informações de editais de licitações e leilões de alguns órgãos públicos, está hoje consagrada pela diretiva que obriga todas as licitações ou leilões a serem publicados, oito dias antes, na Imprensa Oficial, em www.e-negociospublicos.com.br e depois terem também publicados os seus resultados.
 
Período Geraldo Alckmin – Cláudio Lembo (2003-2006)

Na atual gestão, as TIC estão presentes nas quatro diretrizes centrais de governo: governo empreendedor, governo educador, governo solidário e governo prestador de serviços de qualidade. Nesta quarta diretriz o uso das TIC, em particular, está atrelada explicitamente a uma “ação voltada à humanização, eficiência e eficácia dos serviços públicos, objetivando a melhoria da qualidade de vida”, o que implica:
-          fortalecer a noção de um só governo disponível 24hx7dias a serviço do cidadão;
-          diminuir a produção de papéis em favor do trâmite de documentos eletrônicos;
-          agilizar e dar maior eficiência aos processos decisórios;
-          monitorar permanentemente suas ações;
-          promover a transparência da gestão.

Em 2003, para facilitar e agilizar a adequação das TIC às prioridades da administração, o governo de São Paulo reestrutura o Comitê de Qualidade de Gestão Pública (CQGP), para um colegiado voltado à formulação, proposição e implementação de diretrizes de uma política mais ampla para e-Gov. Assim o CQGP aprimora o modelo de gestão das TIC instituindo nas Secretarias um Grupo Setorial de TIC com a atribuição de promover o planejamento e a gestão das atividades de TIC dos respectivos órgãos. Mensalmente os coordenadores de TIC das Secretarias se reúnem para compartilhar experiências e avançar em conjunto com as diretrizes determinadas pelo colegiado do CQGP ou ainda aprovar propostas de ações para submeter à aprovação do CQGP.

Uma dessas propostas foi o Sistema de Gestão de TIC (Siget), que ao ser aprovada pelo CQGP substituiu a formalidade em papel da aprovação dos Planos Diretores de Informática (PDI) pela criação de um PDI eletrônico, que unificado em um sítio permite um ambiente permanente de planejamento e gestão no acompanhamento dos projetos setoriais de TIC, bem como facilita a criação de indicadores de acompanhamento das TIC dentro do PPA 2004-2007, segmentado em 4 categorias de Programas de e-Gov:
Infra-estrutura, transações internas, transações com a sociedade e inclusão digital.

No plano interno é destaque um amplo programa de capacitação no uso das TIC, que envolveu muitos convênios feitos pela Fundap – Casa Civil, como coordenadora. Além disso é destaque a criação de portais como o www.cidadao.sp.gov.br que orientam o cidadão em cerca de 1500 serviços presenciais e mais de 400 serviços on-line lá relacionados.

Conclusão

A sofisticação da Internet e a massificação de seu uso transformaram essa tecnologia em recurso estratégico de governo. Com ela, o setor público ganhou um importante aliado no bom atendimento à cidadania. Passou a dispor de mais tempo, tornou-se mais rápido, chegou mais longe, só para citar algumas mudanças importantes. Cada vez mais o governo tradicional, limitado por suas instalações físicas, vai perdendo espaço para a sua faceta virtual.

No entanto, usar a Internet de forma intensa não basta para melhorar o atendimento à cidadania. Colocar antigos processos em tecnologias novas pode não resolver. A base do e-Gov está associada a novos processos de trabalho, adequados aos novos tempos. Usando-se modernas tecnologias de modo adequado, é possível fazer mais e melhores serviços, gastando menos. Essa poupança de recursos permitirá então que se amplie o leque de serviços ofertados. A economia de recursos é, todavia, apenas uma das facetas esperadas. O e-Gov deve ir além dela. Ele deve usar a revolução tecnológica para promover a inovação, a criatividade e a iniciativa de seus funcionários.

Esses atributos de uma sociedade do conhecimento não são, porém, encontrados em estruturas burocratizadas, verticalizadas e autarquizadas. E-Gov implica, também, enxergar o Estado de uma perspectiva horizontal, conectar ilhas de excelência, unir talentos e superar limites físicos e funções estritas. 

Finalmente, o e-Gov é também um instrumento de ética na Administração Pública em razão da transparência e da impessoalidade dos seus sistemas implantados, além do que, é um passo na direção de uma e-democracia, onde governo e sociedade poderão se comunicar imediatamente, pois o momento das comunicações sem fio aflora.

Nota: O presente texto foi em parte extraído de um amplo curso de governo eletrônico em EaD disponível aos servidores públicos estaduais através da Fundap – Casa Civil.